Antônio Cícero despede-se da vida em carta aberta

O compositor, poeta, crítico literário, filósofo e imortal da ABL, que estava com Alzheimer, escreveu texto sobre a decisão de se submeter à eutanásia assistida na Suíça, nesta quarta-feira (23)

O poeta Antônio Cícero se despediu, em carta, da família e dos amigos, antes de se submeter a eutanásia assistida na Suíça, nesta quarta-feira (23/10), aos 79 anos. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 10 de agosto 2017, ocupava a cadeira 27, sucedendo Eduardo Portella.

Antônio Cícero vinha planejando o procedimento de eutanásia/suicídio assistido junto à Associação Dignitas, em Zurich, na Suíça, providenciando o envio dos documentos necessários. "Ele insistiu muito que ninguém soubesse", afirmou Marcelo Pies, marido de Cícero. "Também fez questão de ser cremado. Fomos a Paris por uns dias nos despedir da cidade que ele tanto admirava", concluiu.

Irmão da cantora Marina Lima, de quem foi parceiro musical, Antônio Cícero Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro, em 6 de outubro de 1945. Compositor, poeta, crítico literário, filósofo e escritor brasileiro, passou a ser mais conhecido do público quando assinou a parceria das canções Fullgás (título de um dos discos de maior sucesso de Marina, em 1983), À francesa (com Cláudio Zoli) e Pra começar. Além de Marina, Antônio Cícero também fez parcerias com Waly Salomão, João Bosco, Orlando Morais, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos (coautor, juntamente a Sérgio Souza, do hit O Último Romântico, de 1984).

Em 1995, Cicero publicou seu 1º livro, "O mundo desde o fim". No ano seguinte, lançou o livro de poemas "Guardar', vencedor do prêmio Nestlé de Literatura Brasileira. Também foi autor do livro de ensaios “Finalidades sem fim”, finalista do prêmio Jabuti. De 2007 a 2010, assinou uma coluna para o jornal Folha de S. Paulo, e, em 10 de agosto de 2017, foi eleito para assumir uma cadeira da ABL, sucedendo o crítico e professor Eduardo Portella.

Eis a íntegra da carta deixada por Antônio Cícero:

"Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia.
O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de
Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas
no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas
pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu
mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha
terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa
– mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico
até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que
quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços."