traducao rimbaud agosto.21

 

Abaixo, você lê seis poemas de Arthur Rimbaud (1854-1891). A tradução, feita durante a pandemia, é do poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes.* Após as traduções, você encontra os poemas originais, em francês. 

 

 

SENSAÇÃO


Nas tardes azuis de verão, pelos sopés,
Picado de trigo, pisando grama fresca:
Sonhador, sentirei seu rocio sob os pés,
Deixarei o vento banhar a minha testa.

Não direi palavra nem pensarei em nada,
O amor sem fim fará de mim o que quiser;
Irei bem longe, um vagabundo pela estrada,
Feliz, como se ao lado de uma mulher.

                                              Março de 1870

 
 

 

NO CABARÉ-VERDE, CINCO DA TARDE 

Oitavo dia já, as botinas detonadas
Pelas pedras da estrada. Chego em Charleroi.
— No Cabaré-Verde: peço algumas torradas
Na manteiga e presunto. Não vai demorar.

Feliz da vida, estico as pernas sob a mesa
Verde: fico sacando os temas primitivos
Da tapeçaria. — E para minha surpresa
Uma princesa, tetas grandes e olhos vivos,

— Não é dessas que se assustam com um selinho —
Traz as torradas pra mim rapidinho e rindo,
Presunto morno, num prato bem colorido,

O presunto é rosado e branco, o qual perfuma
Um alho, e uma loira gelada, a sua espuma
Dourada por um raio de sol quase ido.

 

 


VADIAGEM (FANTASIA)

Eu me mandava, os punhos nos bolsos puídos,
Meu paletó já quase no ponto ideal,
Seguia sob o céu, Musa!, a você fiel;
Que demais! E que sonhos de amores esplêndidos!

Minha calça (a única) tinha um grande furo.
— Pequeno Polegar sonhador, a semear
Minhas rimas. Meu albergue, a Ursa Maior.
—Minhas estrelas eram cheias de frufrus.

As ouvia, sentado à beira dos caminhos,
Nas noites de setembro, sentia o carinho
Do rocio roçando a testa, um vinho perfeito;

Onde, rimando em meio aos vultos mais fantásticos
Eu dedilhava uma lira com os elásticos
Das botas rotas, um dos pés contra meu peito!

 





O ADORMECIDO DO VALE [nota 1]

É um vazio de verdura aonde canta um rio
Que agarra de delírio a relva e seus farrapos
Prata; onde o sol, no monte vão e solitário,
Reluz: vale onde musgos espumam de luz.

Soldado jovem, boca aberta, sem chapéu,
Nuca imersa no azul dos agriões nas margens,
Dorme; esparramado na relva, sob o céu.
Pálido em seu leito verde onde raios chovem.

Pés sobre os gladíolos, dorme. Sorrindo como
Sorriria um bebê doente, ferra em sono.
Ele tem frio: Natura, acalente-o em seu peito.

Os perfumes não fremem as suas narinas;
E dorme ao sol, a mão no coração, tão fina,
Em paz. Dois rombos rubros do lado direito.

 

  

A ETERNIDADE

Acharam, veja só.
O que? — A Eternidade.
É quando o mar dissol-
ve-se no sol da tarde.

Oh, alma sentinela,
Que confessemos logo,
Noite que nos cancela 
E o dia em pleno fogo.

Dos sufrágios humanos,
Dos impulsos do mundo,
Liberte-se dos anos
E voe num segundo.

Pois só vocês não falham,
Centelhas de cetim,
O seu Dever exala
Sem que se diga: fim.

Lá não tem esperança,
Promessa de futuro.
Ciência e paciência,
O suplício é seguro.

Acharam, veja só.
O que? — A Eternidade.
É quando o mar dissol-
ve-se no sol da tarde.

 



VOGAIS

A preto, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
Um dia desvendo seus nasceres latentes:
A, corpete peludo de moscas luzentes
Que zumbem ao redor de fedores brutais,

Golfos de sombras; E, vapor de tendas quentes,
Lanças de gelo, reis brancos, frissons de flores;
I, ruge, cuspe de sangue, riso de amores,
Lábios irados ou mil porres penitentes;

U, ciclos, vítreas vibrações que o mar regouga,
A paz dos pastos e animais, a paz das rugas
Que a alquimia imprime na fronte e em seus fólios;

O, Clarim Supremo de estranhos desarranjos,
Silêncios perpassados por Mundos e Anjos:
— Oh!, Ômega, raio violeta dos Seus Olhos!




 

*[nota do tradutor] Essas traduções foram feitas há um ano, em meio à pandemia de covid-19. Tentei respeitar ao máximo os esquemas métricos e rímicos dos originais.

[nota 1]: Rimbaud testemunha o rescaldo da guerra franco-prussiana (1870-1871) em suas caminhadas ao redor de Charleville (França), sua cidade natal.

 

>> Leia os originais:

 

SENSATION

Par les soirs bleus d’été, j’irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:
Mais l’amour infini me montera dans l’âme,
Et j’irai loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la Nature, – heureux comme avec une femme.

                                                               Mars 1870

 

AU CABARET VERT, CINQ HEURES DU SOIR 

Depuis huit jours, j’avais déchiré mes bottines
Aux cailloux des chemins. J’entrais à Charleroi.
– Au Cabaret-Vert : je demandai des tartines
De beurre et du jambon qui fût à moitié froid.

Bienheureux, j’allongeai les jambes sous la table
Verte: je contemplai les sujets très naïfs
De la tapisserie. – Et ce fut adorable,
Quand la fille aux tétons énormes, aux yeux vifs,

– Celle-là, ce n’est pas un baiser qui l’épeure 
Rieuse, m’apporta des tartines de beurre,
Du jambon tiède, dans un plat colorié,

Du jambon rose et blanc parfumé d’une gousse
D’ail, – et m’emplit la chope immense, avec sa mousse
Que dorait un rayon de soleil arriéré.

 

MA BOHÉME (FANTASIE)

Je m’en allais, les poings dans mes poches crevées;
Mon paletot aussi devenait idéal;
J’allais sous le ciel, Muse ! et j’étais ton féal;
Oh ! là ! là ! que d’amours splendides j’ai rêvées!

Mon unique culotte avait un large trou.
– Petit-Poucet rêveur, j’égrenais dans ma course
Des rimes. Mon auberge était à la Grande-Ourse.
– Mes étoiles au ciel avaient un doux frou-frou

Et je les écoutais, assis au bord des routes,
Ces bons soirs de septembre où je sentais des gouttes
De rosée à mon front, comme un vin de vigueur;

Où, rimant au milieu des ombres fantastiques,
Comme des lyres, je tirais les élastiques
De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur! 

 

LE DORMEUR DU VAL

C'est un trou de verdure où chante une rivière,
Accrochant follement aux herbes des haillons
D'argent ; où le soleil, de la montagne fière,
Luit: c'est un petit val qui mousse de rayons

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue,
Et la nuque baignant dans le frais cresson bleu
Dort; il est étendu dans l'herbe, sous la nue,
Pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant comme
Sourirait un enfant malade, il fait un somme:
Nature, berce-le chaudement: il a froid

Les parfums ne font pas frissonner sa narine;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine,
Tranquille. Il a deux trous rouges au côté droit.

 

L’ETERNITÉ

Elle est retrouvée.
Quoi? – L’Eternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.

Ame sentinelle,
Murmurons l’aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s’exhale
Sans qu’on dise: enfin.

Là pas d’espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi? – L’Eternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.

 

VOYELLES

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu: voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes:
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d’ombre; E, candeurs des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons d’ombelles;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;

U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d’animaux, paix des rides
Que l’alchimie imprime aux grands fronts studieux;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silences traversés des Mondes et des Anges
— O l’Oméga, rayon violet de Ses Yeux!