Ilustração Ensaio StephanieBorges MatheusMelo

No prefácio de Black and Blur (2017), o poeta Fred Moten comenta que seu primeiro livro de ensaios, Na quebra: A estética da tradição radical preta, lhe causou sofrimento durante anos, pois falta algo ao texto. Segundo o autor, a frase de abertura do livro deveria ser “Performance é resistência do objeto”. Contudo, o poeta observa que escrever sobre isso não ameniza sua sensação de fracasso, uma vez que seus ensaios posteriores refletem sobre o que há de errado na afirmação que omitiu.

É estranho começar um texto sobre a leitura de Na quebra comentando a ausência de uma frase, mencionada pelo autor catorze anos depois da primeira edição em 2003. No entanto, se vamos nos aproximar da tradição radical negra, é importante compreender o tempo de forma não-linear, pois nos referimos a formas de pensamento, estratégias e práticas que se renovam ao longo de séculos.

Moten dialoga com inúmeros pensadores. De Karl Marx e Immanuel Kant, passando por autores que o influenciaram, como C. L. R. James e Cedric J. Robinson, e por suas interlocutoras contemporâneas, Hortense Spillers e Saidiya Hartman. Seus ensaios contêm divagações e percursos que não oferecem modelos de análise estética, mas discorrem sobre lógicas generativas que estimulam pessoas negras a seguirem em busca da liberdade em diversos âmbitos da vida. Uma liberdade que inclui a opacidade, o silêncio, o fracasso e a recusa.

Se o preto é definido como ausência — de cor e inúmeras características definidas pelos brancos como a condição de ser humano — o interesse é explorar o que se torna possível no pretume. Quais saberes, resistências e movimentos fugitivos acontecem na escuridão? Assim, a questão física do espectro cromático se faz presente na linguagem das traduções. Embora em português usemos negritude para nos referir a características e condições da vida negra, seus tradutores optaram pelo termo pretitude.

Se o capitalismo e a branquitude operam por tentativas constantes de captura — o encarceramento, a dívida, a precariedade — a experiência negra pode ser pensada como uma série de movimentos fugitivos. Abandonar as ferramentas do senhor que não vão derrubar a casa-grande e voltar a atenção para as comunidades, as práticas de cuidado e de ajuda mútua que, aliadas a lutas políticas, constituem a resistência do povo negro apesar de inúmeras estratégias de genocídio.

Mas voltemos a resistência do objeto. Moten inicia Na quebra com uma crítica a Marx, que em O capital usa o recurso retórico “o que a mercadoria diria se pudesse falar?” ignorando o fato de que existiram, de fato, milhões de pessoas transformadas em mercadoria. Objetos que embora pudessem falar, não foram ouvidos. Contudo, eles gritaram, cantaram, dançaram, escreveram e suas artes constituem inúmeros gestos de recusa, improvisação, experimentação. Pensar a estética de uma tradição radical negra é imaginar a recusa aos códigos da brancura. O desejo de permanecer ilegível, na rasura, na quebra.

Há no livro um movimento circular entre o primeiro e o último ensaios. Em A resistência do objeto: O grito de Hester, o autor comenta o gesto de Saidiya Hartman de analisar a cena do chicoteamento de Tia Hester em Scenes of subjection sem reproduzir o relato de Frederick Douglass. Moten reflete sobre a impossibilidade de evitar a violência, pois mencionar a cena é lidar com a sujeição, a agressão física, o sadismo e o voyeurismo.

No entanto, os gritos de Hester levam Moten a uma reflexão sobre os vocais da cantora Abbey Lincoln na gravação de Protest, feita com Max Roach. O grito dá origem ao canto e se mantém inacessível porque é inarticulado.

No último ensaio, A resistência do objeto: A teatralidade de Adrian Piper, Moten comenta como uma performance de Piper contendo uma crítica ao campo artístico expõe as limitações de parte da crítica, que ignora as referências da artista conceitual, que endereça as confluências entre racismo e a misoginia institucionais em seus trabalhos. Nem toda resistência se dá pelo grito, algumas são definidas pela presença em determinados espaços.

Na quebra: A estética da tradição radical preta é o primeiro livro de Fred Moten publicado no Brasil, pelas editoras crocodilo e n-1, com tradução de Matheus Araujo dos Santos. Além de ensaísta e poeta, ele também dá aulas de literatura comparada e estudos da performance. Seu ensaio Ser prete e ser nada integra a antologia Pensamento negro radical (crocodilo, 2021). Além disso, está previsto o lançamento de Undercommons, pela Ubu Editora em 2024, com uma tradução coletiva de Mariana Ruggieri, Raquel Parrine, Roger Melo e Viviane Nogueira da Silva.

As traduções do autor se somam a bibliografia crescente de pensadores radicais como Saidiya Hartman, Denise Ferreira da Silva, Frank B. Wilderson III e Cedric Robinson, além de contribuírem para uma perspectiva diaspórica em meio as reflexões sobre estética a partir de tradições negras propostas por autores brasileiros como Leda Maria Martins, Edimilson de Almeida Pereira, Luiz Maurício Azevedo e Allan da Rosa.

Minhas observações se entrelaçam com trechos de uma entrevista concedida por Moten em março de 2023, na qual me concentrei em temas que poderiam abrir caminhos para leitura de sua obra. Recomendo aos leitores de Na quebra que pesquisem e ouçam os álbuns e músicas mencionadas, pois foram importantes para entender as descrições, os desdobramentos, variações. Neste livro, a leitura e as canções complementam, e o repertório de Duke Ellington, Miles Davis, Billie Holliday e Louis Armstrong ganham outras possibilidades de apreciação.

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Stephanie Borges: Ao escrever sobre música, você comenta a performance, a gravação, mas também ressalta o pensamento que acontece na canção, relações entre forma e conteúdo. Em vários momentos a sua escrita parece se aproximar das características do jazz. A forma como você pensa sobre música influencia o estilo da sua escrita?

Fred Moten: Eu diria que há várias linhagens diferentes de influência. A mais básica é a minha criação e a minha família, no bairro negro de classe trabalhadora onde cresci em Las Vegas, Nevada. As pessoas que moravam na vizinhança geralmente vinham de pequenas comunidades do sul dos EUA, do Arkansas, do Texas, do Mississippi e da Louisiana. No meu bairro existiam protocolos muito específicos para falar e pensar, especialmente para contar histórias. Convivi com essas formas de pensar e teorizar desde a infância e elas influenciam a minha escrita.

Eu não fui para a faculdade nem para pós-graduação para esquecer esses modos. Eu queria acrescentar, ampliar essas formas. Nunca me ocorreu jogá-las fora ou abandonar essas formas de apresentar ideias. Eu estava em busca de modos de abordagem intelectual que correspondessem aos que aprendi enquanto crescia. Assim, as divagações, aprofundamentos e variações de pensamento encontrados em Derrida ou em Deleuze me parecem familiares, pois têm estruturas semelhantes à maneira como as pessoas falavam no meu bairro. E depois vieram outras influências pelo tipo de perturbações poéticas que você encontra em críticos literários que também foram poetas, como Charles Olson e Susan Howe, ou pela intensidade poética e um tipo de sintonia com o som, como Mallarmé ou Borges.

Tudo isso parecia ter afinidade com a forma como as pessoas pensavam, trabalhavam e falavam onde cresci. Eu vivo de acordo com esses modos para reforçá-los, não para corrigi-los. E assim, quando escrevo, parto dessas tradições.

É claro que há também uma lógica. Quando escuto ou Ornette Coleman ou Geri Allen ao piano, ou Melanie Dyer, que é uma grande violinista, tento discernir a lógica da improvisação de cada artista. Ainda que essas artistas toquem uma canção que já foi tocada muitas vezes, são fiéis à estrutura da canção, mas também desenvolvem a lógica de seus solos enquanto improvisam. Não é apenas o conteúdo do solo, mas a lógica do solo, a sua estrutura, que também é produzida naquele momento.

Eu queria ser capaz de me envolver com uma escrita que tivesse essa lógica generativa, autogeradora, que correspondesse ao emocional assim como ao conteúdo intelectual. Há muitos elementos diferentes com essas características em qualquer lugar do mundo. No entanto, os encontrei pela primeira vez ainda criança, no meu bairro, entre as pessoas que participaram da minha criação. Na forma como falavam do que lhes interessava.

Algumas delas falavam sobre estética e arte, ou determinadas formas de prática estética. Outros de política e economia, o básico de como sobreviver. Entre os assuntos estavam as violências específicas contra pessoas negras [antiblackness]. Todas essas coisas eram debatidas. Onde eu estivesse, em grupo com pessoas de dez anos aos oitenta anos, nós sempre conversávamos e pensávamos sobre esses temas. Esse era o ambiente em que vivíamos.

Para ser franco, apenas assumi que o que acontecia no meu bairro, em Las Vegas, era também o que se passava no bairro de Denise Ferreira da Silva, no Rio de Janeiro, em outras comunidades, porque é isso que as pessoas fazem.

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As reflexões sobre estética em Na quebra partem de uma perspectiva bem definida — a arte analisada nos ensaios é produzida e pensada a partir da tradição radical preta. Em tempos em que a palavra radical tem sido associada a extremismos ou a processos de cooptação de jovens pela extrema direita, é importante ressaltar que a ideia de radical aqui se alinha com a proposta marxista de “tomar as coisas pela raiz”. O radicalismo negro foi conceituado por Cedric J. Robinson em Marxismo negro: A Criação da Tradição Radical Negra, lançado recentemente no Brasil pela Perspectiva.

O radicalismo negro pode ser compreendido como um conjunto de saberes e práticas que permitiram às pessoas negras resistir à colonização e ao imperialismo, criar modos alternativos de vida e lutar pela liberdade. Para Robinson, as raízes da tradição radical negra estão nas revoltas de escravizados, nas fugas, no estabelecimento de quilombos e na Revolução Haitiana. O pesquisador cita o Quilombo dos Palmares e as Revolta dos Malês como exemplos de cooperação entre diferentes povos africanos trazidos para o Brasil com a intenção de se libertarem e de recriar as condições de vida que experimentaram em suas terras natais, preservando o ser coletivo, as religiões e a totalidade ontológica de pessoas negras.

Em Marxismo negro, Robinson analisa uma tradição formada por intelectuais diferentes entre si, como Aimé Césaire e W. E. B. Du Bois, que compartilham traços em comum. São escritores que participaram da luta política e se aproximaram do marxismo ou do comunismo, mas que, ao perceberem as limitações da teoria diante do papel do racismo na preservação do capitalismo, se voltaram para o conhecimento que emerge nas comunidades negras. O resultado é uma produção intelectual crítica ao capitalismo e ao colonialismo, interessada nas possibilidades coletivas de liberdade para o povo negro.

Ao longo das minhas leituras de Na quebra e de Marxismo negro me perguntei como a publicação desses livros em português, com seus pontos de contatos diaspóricos e suas limitações em relação ao contexto brasileiro, poderia estimular a leitura de autores como Sueli Carneiro, Lélia González e Abdias do Nascimento para compreender as nossas tradições intelectuais negras, ou de Antônio Bispo dos Santos, mestre e escritor quilombola que tem se dedicado a divulgar o pensamento contracolonial.

Outra possibilidade seria despertar o interesse dos leitores por títulos como Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpo-tela (2021), de Leda Maria Martins, e o ensaio Entre Orfe(x)u e Exunoveau: Análise de uma estética de base afrodiaspórica na literatura brasileira (2022), de Edimilson de Almeida Pereira, obras importantes por considerarem a música, as poéticas e rituais das religiões de matriz africana, assim como a filosofia de povos do tronco linguístico banto, como epistemologias relevantes para pensar estéticas brasileiras que se afiliam às resistências e propõem outros modos de vida.

Em Na quebra, Moten considera a possibilidade de uma vanguarda negra a partir dos procedimentos sofisticados de improvisação do jazz e as críticas feitas por Amiri Baraka reunidas na coletânea Black Music (1968). Divaga sobre o amor e erótico em Duke Ellington, observa a tristeza em Louis Armstrong mencionada no prólogo do romance Homem invisível (1952), de Ralph Ellison. Seus ensaios nos instigam a pensar arte feita por e para pessoas negras como formas complexas de elaborar vivências e gerar inquietações, reflexões e mais arte.

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Stephanie Borges: Acredito que na maioria das famílias e comunidades negras se travem conversas sobre economia, política e violência, uma vez que a lógica antinegro [antiblackness] está em todo lugar e precisamos lidar com isso de alguma forma.

Fred Moten: Sim, mas você precisa entender que na minha família, na minha comunidade, nós estávamos sempre lidando com a antipretitude, mas essa não era a nossa principal preocupação. O mais importante era a nossa vida comum. É o que a minha companheira, Laura Harris, chama de “socialidade estética da pretitude”. Nossa principal preocupação era como entender, proteger e viver essa socialidade. A antipretitude só ganha destaque contra um pano de fundo. Não existe antipretitude se não existe algo como o preto.

S.B.: Esse é um tema sobre o qual gostaria de perguntar, porque seu ensaio Ser prete e ser nada: Misticismo na carne é um texto complexo sobre a negritude como algo que beira a impossibilidade, uma vez que sempre é colocado em relação a branquitude. Você poderia comentar um pouco sobre isso, pois me parece um caminho interessante, pois em vez de debater definições de negritude e antinegritude, você se propõe a pensar “o que significa ser nada?” e quais possibilidades se abrem quando se muda de perspectiva.

F.M.: Então, volto a falar de Cedric Robinson porque a obra dele veio antes de tudo o que escrevi. Ele não questiona apenas os termos da ordem. Ele quer pôr em xeque a ideia de ordem. Estamos falando de um desejo de rejeitar a ideia de ordem, de rejeitar a ideia de propriedade privada. Não se trata de redefinir os termos nos quais a propriedade é distribuída, mas de obliterar a noção de propriedade privada. Não é reformular as maneiras de construção da identidade, mas obliterar a noção de uma identidade pessoal. Eu associo esse tipo de desejo a pretitude. Isso é a negritude para mim.

Portanto, a brancura é uma orientação epistemológica, ética e político-econômica em relação à matéria. Em alguns aspectos mais tangíveis ela é uma orientação em relação à matéria e à energia. Isto é um problema social, mas também um problema da Física. Uma forma de descrever este comportamento ou atitude ética, moral, político-econômica e epistemológica é que a branquitude, a brancura se preocupa com o que pode agarrar. Não sei se há algo semelhante em português, porque to grasp tem vários sentidos: pegar, deter, possuir, compreender.

S.B.: Acho que não temos um equivalente em português, mas vou tentar transmitir esses significados.

F.M.: Essa questão é importante porque no inglês esse verbo tem uma dimensão física, mas também um aspecto epistemológico. Existem expressões no inglês que implicam propriedade, então quando se fala em alcançar uma ideia, pegar um conceito, você estabelece uma relação de posse, de controle. Esse é componente o epistemológico. Há uma faceta político-econômica quando grasp assume o sentido de possuir. Também há o componente ético, porque quando você tem alguma coisa, aquela coisa está ali para você, mas você não está ali para ela. É uma ferramenta ao seu dispor. Então a branquitude é uma atitude que se afirma a partir de relações com o que pode dominar. É preciso considerar que matéria e energia se manifestam no mundo como coisas que podem ser controladas. Portanto a pretitude não é apenas a recusa ao estatuto de ser posse, de ser compreendido de modo a ser controlável. É também uma recusa da prática política, econômica, epistemológica e moral de dominar, de possuir as coisas.

S.B.: Agora você me ajudou a entender melhor. Em português, acho que as traduções de compreender, dominar, controlar ficam bem claras, mas existe uma associação simples de grasp com agarrar, deter.

F.M.: Todos estes termos vêm com uma profunda ambivalência. Se você acredita que sua identidade ou sua condição enquanto indivíduo se baseia na capacidade de possuir ou controlar, essas são ideias muito difíceis de abandonar. Por isso é importante tentar se beneficiar do contato com tradições alternativas de pensamento. No ensaio Bebê da mamãe, talvez do papai, Hortense Spillers fala de “ser tocado pela mãe”, o que não caracteriza posse. Em um texto sobre o pensamento de Emmanuel Levinas, a grande pensadora feminista Luce Irigaray menciona a “fecundidade da carícia”. O que está em jogo é um de prática do toque, da carícia, em vez do gesto de agarrar, pois existe uma interação, mas há também o ato de libertar. Vai no sentido contrário de pegar, deter.

Spillers usa o verbo handle, que significa manusear, mas também cuidar. É uma relação complicada pois você lida com algo que vai ser entregue, libertado. Isso implica uma outra relação como ato de possuir e a propriedade. Antes de mais nada, estamos falando de pessoas que foram tratadas como bens móveis. Nós que descendemos de pessoas que passaram por isso, temos uma relação delicada com a propriedade, pois conhecemos a violência correspondente a ser posse, mas também conhecemos a brutalidade de não poder ter posses. No entanto, não é porque compreendemos essas violências que vamos nos tornar defensores da propriedade.

S.B.: Sim, essa é uma relação complicada.

F.M.: Sim, e o radicalismo da tradição intelectual preta está em conhecer a violência de ser posse, da despossessão, e compreender a necessidade absoluta da recusa de possuir.

S.B.: Quando você fala de rejeitar os termos da ordem, sobre a recusa de se tornar proprietário, penso nas comunidades quilombolas e dos territórios indígenas aqui no Brasil. Há uma luta por direito à terra e pela demarcação dos territórios, mas se trata de uma “propriedade coletiva” o que vai contra os termos da ordem. Nos últimos anos vivemos sob um governo fascista que deixava claro que não haveria nenhum reconhecimento dos direitos desses grupos porque existe aí uma relação diferente com a terra, o cultivo dos alimentos, um desejo de autonomia nesses modos de vida. De certa forma, os quilombolas são uma tradição radical negra resistindo ao capitalismo tardio hoje no Brasil.

F.M.: Podemos dizer que uma das possíveis definições de fascismo é supressão constante e brutal das alternativas. Em certa medida, também é uma definição razoável para o liberalismo. O que nos deixa algumas perguntas interessantes a serem feitas sobre as semelhanças e origens desses dois. Para Robinson, a origem comum do fascismo e do liberalismo é a própria ideia de ordem política.

Quando falamos de comunidades que tentam manter uma alternativa às brutalidades praticadas pela ordem político-econômica normativa atual, precisamos reconhecer que elas têm um duplo status. Por um lado, elas constituem uma alternativa, por outro, elas renovam constantemente as alternativas em seu interior. É isso o que significa ser uma alternativa ao Estado, renovar as alternativas dentro da comunidade, em relação aos seus integrantes, em vez de suprimi-las.

Com relação a brutalidade do Estado, ela sempre está presente. Nunca se retira. É isso que os Estados fazem. Então você não precisa se preocupar em se comportar em relação ao Estado, porque ele vai agir em relação a você. Há quem pense que sua identidade depende do quanto o Estado se opõe a quem você é, o que é um erro. A sua identidade depende da oposição do Estado a você. Isso significa que aquilo que muitas pessoas reivindicam orgulhosamente como identidade, de certa forma, já é algo violento.

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Stephanie Borges: Você nos coloca diante de questões complexas e que não serão respondidas, mas a leitura de Na quebra é instigante. Seus ensaios nos estimulam a apreciar arte e a fazer mais perguntas.

Fred Moten: Agradeço o seu comentário, mas de onde venho nós chamamos isso de ser o “tio doido”. Sabe, o cara que vai para o churrasco, toca umas músicas esquisitas, começa discussões e as pessoas ficam felizes quando ele vai embora?

S.B.: E ele vai embora deixando as pessoas cheias de dúvidas em relação a vida? Sei como é.

F.M.: Na verdade, não é bem assim. Essas questões que levanto, eu não as formulo. Eu as ouço. Escuto as perguntas e percebo que elas já foram formuladas antes. Tento manter vivas perguntas feitas muito antes da minha existência. Tento manter viva a ideia de uma alternativa. Acho que a maioria de nós, que damos aula e escrevemos, fazemos isso constantemente, sabe?

S.B.: Muito obrigada por fazer isso.