interna 1 VitorFugita

 

Serei um poeta construtivista
Serei um poeta desconstrutivista
Serei um poeta
Serei um
Ser
Se
Sob o pano de fundo indizível
(Waly Salomão)


O teatro da repetição se opõe
ao teatro da representação.
(Gilles Deleuze)

 

POETA POLIFÔNICO
A história é bastante conhecida: flagrado com um punhado de maconha por uma blitz policial na Avenida São Luís, em São Paulo, Waly Salomão (1943–2003) foi detido no presídio do Carandiru, em janeiro de 1970. As anotações vertiginosas elaboradas por ele durante os dezoito dias de prisão, mescla de diário, prosa poética e ensaio, foram reunidas como Apontamentos do Pav Dois e constituem a base de seu livro de estreia, Me segura qu’eu vou dar um troço. Antes de vir a lume, o material havia sido diagramado por Hélio Oiticica, mas o projeto gráfico original do artista carioca se perdeu, apreendido pelo exército no apartamento do irmão de Rogério Duarte. O livro foi finalmente publicado em 1972, com a assinatura de Waly Sailormoon e vendido com êxito em bancas de jornais.

A experiência na prisão, verdadeira “descida ao inferno”, agiu paradoxalmente como a liberação de sua escrita, bloqueada desde a juventude, conforme afirmava o poeta. Devidamente arquivada em sua mitologia pessoal, a cena inaugural da obra, concebida como a difícil montagem dos cadernos do cárcere, é carregada de charme e rebeldia e, a despeito de todo o romantismo cosmogônico que a cerca, revela-se irresistível. Isto porque uma intrigante ideia de liberdade a fundamenta. Ideia que se renova e se reinventa na trajetória do poeta.

A trava que paralisava a escrita se desarma com o confinamento do corpo do escritor. Em condições precárias de sobrevivência, vendo “o sol nascer quadrado”, sem acesso a seus livros, ao lado de uma variedade de tipos, pequenos e grandes delinquentes, sob “perigo total”, com “o cu no ponto”, Waly sente-se finalmente livre para escrever. O trauma se desfaz justamente com a experiência traumática. O desacerto das expectativas é a lógica corrente: “Na cadeia tudo é proibido e tudo que é proibido tem”.

E vale notar que não é exatamente a vivência no xadrez a matéria dominante de suas anotações. Não se trata de um relato referencial acerca da repressão do Estado autoritário nem da violência ou da rotina carcerária, à maneira das memórias de presos e torturados políticos em voga na literatura brasileira dos anos 1970. Ao contrário, a força e atualidade desse bagunçado caderno vêm de seu caráter fabulador e de sua insuspeita potência associativa. O poeta renuncia ao ideal do registro mimético, deixa de lado os traços que conferem unidade a seu rosto e a seu nome, como se lê nas páginas de abertura do livro publicado: “Com muita dor desistiu de fotografar os assuntos com muita dor desistiu de escutar os sons do século com muita dor aceitou perder seu nome. SEM NOME”.

Foi preciso se esquecer de si, perder o próprio nome, para dar curso à escrita, pois como se vê no diário: o esquecimento é um “poder ativo, uma faculdade moderadora”. Sob a moderação do esquecimento, os apontamentos reúnem, com um bocado de graça, uma profusão de pensamentos, gírias, neologismos, frases prontas, trocadilhos, um punhado de Nietzsche, moral católica, fragmentos ligados ao Estruturalismo, breves episódios da detenção, narrativas de sonhos, obscenidades, ideias sobre língua e linguagem comentadas em livre associação, como se formassem aforismos. Um tópico intitulado Cinemex se espalha, intervalar, por toda obra, ora com visões e memórias evanescentes, ora com cenas dos presos, em formato conciso de sinopses.

São restos da cultura e do sujeito recluso, finalmente livre para realizar suas conexões. Ele as arrola num ritmo febril, mas com transições abruptas, ao reunir tudo aquilo que designa como “abismos do mundo inferior”. Mas esse diário singular seria menos uma crônica dos dias que passam, com suas histórias e sensações concomitantes, do que um ateliê de experimentações literárias.

O caderno de apontamentos desencadeia, como se fosse uma espécie de plataforma, uma operação de montagem. Hélio Oiticica, pensando noutros termos, também se ocuparia do debate da criação de condições realizado no livro: “Essa criação de conduções é, na realidade, uma criação ABSOLUTA de condições: não é só criar condições materiais, é uma construção numa estrutura”.

Me segura..., este livro compósito e inclassificável que poderia ser lido como simulacro do caderno de notas do artista e da literatura-do-eu, ambos gêneros devidamente rasurados, dá partida, por assim dizer, a uma poética singular que traz para o primeiro plano as condições de produção poética. Ela se pauta pela altíssima tensão e aparente aleatoriedade das correspondências e associações entre elementos evidentemente díspares, mas que, como no projeto da Passagens de Walter Benjamim, parece empenhado em revelar as “afinidades secretas” existentes entre eles. Uma poética que, para valer-me da leitura de Georges Didi-Huberman sobre Aby Warburg, “possui suas próprias regras de disposição e de transformação para ligar certas coisas cujos elos não são evidentes”.

A esse respeito, não me parece coincidência o fato de a obra poética seguinte de Waly, embora com publicação extemporânea, desenvolva-se novamente a partir da desconstrução do caderno de notas: Babilaques: Alguns cristais clivados (Contra Capa Editora, 2007). Essa repetição configura, a meu ver, uma espécie de dispositivo de criação poético-ficcional regido por uma estranha liberdade associativa, criado como “resposta” ou “abertura”, como se queira, ao quadro de esgotamento das vanguardas e de progressivo acantonamento social da poesia, em curso durante a consolidação da sociedade de consumo no Brasil no decênio de 1970. É com a elaboração desse dispositivo libertário e “des-sublimado” que Waly inscreve sua obra híbrida e impura, laboriosamente elaborada com diferentes gêneros e registros, em um contexto de mutações sociais, políticas e estéticas. Bastante diferente dos relatos de prisão que lhe são contemporâneos, Me segura... e Babilaques parecem melhor aquilatados que seus pares para refletir, sem abdicar de suas respectivas historicidades, as perigosas relações entre formas difusas do poder microfísico e biopolítico, já então disseminados no tecido social, e em formas literárias.

O procedimento, tanto em seus arranjos estéticos quanto em seus modos de pensar, a rigor indissociáveis, será remontado pelo poeta nas décadas seguintes, em outro contexto histórico, caracterizado no Brasil pela reconstrução democrática e pela entrada do país na mundialização. Do caderno de notas Waly se move para a “câmara de ecos” e a “ilha de edição” (no livro Algaravias, de 1996), para “a sala de mixagem” e o “tabuleiro remix” (em Tarifa de embarque, de 2000). O poeta, marcante na cena musical brasileira da Tropicália ao rock nacional, passando pela MPB, como letrista, produtor e diretor artístico, se vale do universo das tecnologias de pós-produção de áudio, com o seu controle combinatório de todos os canais de gravação e reprodução da música, a fim de repensar a “fábrica do poema” na virada do século. São, sem dúvida, metáforas caras ao poeta interessado em transitar por entre registros eruditos, massivos e populares da vida cultural brasileira contemporânea, permitindo-lhe ainda mixar a própria tradição literária. Todas elas tramadas sob a ideia do “armarinho de miudezas”, título da coletânea de 1993.

A presença da sala de mixagem ou do armarinho como alegorias de seu processo de criação é pelo próprio poeta sugerida: “desde tempos imemoriais/ fixei residência nessa sala de mixagem”. E Roberto Zular (USP) aponta para essas linhas de continuidade da obra, ao sugerir que Algaravias “pode ser visto como uma espécie de reescritura, sobretudo de Me segura qu’eu vou dar um troço”. Trata-se, portanto, de um exercício duradouro de “invenção e saque”, sempre dialógico e relacional, sofisticado e hilário, que se lança como verdadeira “aventura da linguagem” — a expressão é do poeta — em busca de um conhecimento crítico e sensível.

As condições de produção poética experimentadas nas mixagens, seja nos cadernos, seja nas mesas de edição, incidem não apenas no texto, mas também na vida do poeta, sempre traçada no limiar da poiesis, com a figuração de sua conhecida persona de poeta-profeta-delirante, anárquica e certeira na mesma medida. Vida e texto poético reunidos numa dobra movediça. “Ser poeta”, como se lê nos versos da epígrafe, não se desassocia de “Ser”, e de um condicional “se”, todos, sob o “pano de fundo indizível”. Vendo-se como um “Brecht dos arrabaldes”, ele enlaça vida e obra em um mesmo teatro.

Há, portanto, uma dimensão existencial do problema, devidamente fomentada pelos antagonismos cultivados pela contracultura. Era preciso, entre tantas demandas — “há uma vasta demasiada demanda na feira da praça da república” — atravessar “o cotidiano estéril” e enfrentar o complexo aparato repressivo em voga, cuja ação não se limitava às forças de polícia. Era preciso passar “por cima do cotidiano estéril/ de horrível fixidez/ careta demais”.

Com seu caderno de notas, encenado e farsesco, Waly indaga-se, por meio de movimentos e encontros insuspeitos, a respeito da construção do poema, de suas articulações com a vida do poeta e, claro, embaralha lugares convencionais reservados ao autor e ao leitor: “quero passar dos cafundós da caatinga à lucifer das cidades do litoral e refazer o périplo no sentido inverso estar apto e me mover duma posição para jogar no outro vértice ser logo tão leitor quão o leitor autor”.

 

interna 2 VitorFugita

 

PALCOS GEMINADOS

O meu é um curso enviés torto oblíquo de través.
O meu é um fluxo MEÂNDRICO.
(Waly Salomão)

A operação de montagem/desmontagem elaborada por Waly coloca também em pauta uma outra coisa: a noção moderna de sujeito e, a reboque, suas instâncias identitárias e autorais. O artista baiano-carioca-sírio interessou-se desde a primeira hora pela automodelagem poética de um sujeito que, ao recusar a existência de um centro estável para si, colocava em dúvida, com seus jogos e negaceios, a integridade do nome próprio e sua transcendência: W. S., Waly Sailormoon, Sailor of all moons, Marujeiro da lua, Sail /or/ moon, Sal or moom, até chegar à desintegração completa: “meu nome é sal”. Seu “sumo retrato” resulta de um jogo entre diferença e repetição que desestabiliza, multiplica e, em último caso, apaga a ideia convencional de autoria.

A chama da metamorfose, sob o mito grego de Proteu, o captura. Em Ariadnesca, uma foto posada do poeta com a mangueira de gasolina na boca vem acompanhada da legenda impostora: “Roque Gomes Mariano, que mora em Itapetininga, já foi notícia em NP. Este rapaz da foto é o tal que nós informamos, em 25 de maio de ano passado, em ampla reportagem, viver só de gasolina.” Ainda nesse caminho, vale ressaltar que Self-portrait não é apenas o título de uma seção do livro da prisão, mas uma de suas obsessões, que não resulta nunca em uma imagem apaziguadora de si mesmo. Diz o poeta: “Dentro do espelho minha imagem ameaça perder a nitidez dos contornos e deixar assomar um exército de monstros anteriormente invisíveis”.

Em seus apontamentos, ele também se indagava sobre a linha de demarcação que separa o eu das coisas do mundo, como se lê em Nergal:

Será o eu de uma pessoa uma coisa aprisionada dentro de si mesma, rigorosamente enclausurada dentro dos limites da carne e do tempo? Acaso muitos dos elementos que o constituem não pertencem a um mundo que está na sua frente e fora dele?

Essa separação entre sujeito/objeto, fora/dentro, realidade/subjetividade que intrigava o poeta em seu primeiro livro reaparece como problema no último, Pescados vivos (2004, póstumo), nos versos de Barroco em que “mundo e ego” são tomados como “palcos geminados”, “ecos de ecos que se interpenetram”.

A inquietude com o eu, de fato, acende o poeta que se diz permanentemente “na esfera da produção de si mesmo”, “sempre tendente a ser outra coisa”, conforme os versos de Gigolô de bibelôs (1983). Esse desejo colocado em diferentes arranjos textuais como uma forma de vir-a-ser rompe com a ideia de uma anterioridade constitutiva e transcendental do sujeito. No campo das ideias, se contrapõe às formulações metafísicas que reivindicam um fundamento originário ou a presença anterior e definitiva de uma identidade e das categorias que lhe dizem respeito. Como ensina Gilles Deleuze, o princípio da identidade, seja em qual forma se manifestar, define o campo da representação de um sujeito igual a ele mesmo. No campo das imagens, o poeta o implode, ao almejar um movimento para fora de si e dos limites miméticos: “transbordar, pintar e bordar, romper as amarras,/ soltar-se das margens, desbordar, ultrapassar as bordas, transmudar-se, não restar sendo si mesmo, virar outros seres. Móbil”.

Um desejo de mudança é o que se vê inscrito e imediatamente rasurado em Alterar, poema de grande alcance simbólico, de matriz concretista, concebido como a imagem da palavra, repetida ao longo da página. Mas a palavra de ordem desaparece com o andamento das linhas-versos. Altera-se e se rasura o próprio alterar; altera-se e a rasura amplifica, consuma ou anula a alteração. Combinando esses gestos, o poeta parece sugerir que sua identidade não pode ser senão simulada e que seu poema, “pássaro versátil”, pode “fazer seu ninho em qualquer canto”.

É o que se vê com os Babilaques, objetos ainda hoje estranhos tanto aos circuitos das artes quanto aos meios literários. O dicionário informa que o termo provém da corruptela linguageira de badulaques, que designam os pertences de uma pessoa, o conjunto de peças, documentos, bagatelas, coisas miúdas e de pouco valor, soltas e desordenadas. Os badulaques seriam ainda enfeites, ornamentos baratos, penduricalhos ou, ainda, um ensopado de vísceras, fígados e bofes partidos em pequenos pedaços.

No caso de Waly, que explora as potencialidades semânticas e expressivas virtualmente presentes nessa palavra-plural ou palavra-babel, trata-se da montagem e da exposição de uma série de fotografias do processo de escrita do poeta — rascunhos, colagens, ideogramas, versos, desenhos, frases e ditos corriqueiros manuscritos em diferentes línguas — que são alçadas à condição de objeto artístico e lançados sobre calçadas, portas de táxis, gramados, peças de roupas e canteiros de obras da construção civil, nas ruas de Nova York, Rio de Janeiro e Salvador, entre 1975 e 1977. As afinidades secretas arranjadas nos babilaques revelam ainda as afinidades literárias do poeta: os caligramas de Apollinaire, as formas da poesia de Jean Arp, a desconstrução da arte de Duchamp, as operações de montagem teorizadas por Vertov ou Godard, o concretismo e o neoconcretismo das vanguardas brasileiras.

Não seria pertinente classificá-los como poesia visual. Conforme explica o poeta, “uma foto de um pedaço de fruta dentro de uma lata vazia não pretende ser uma forma insólita de ‘natureza-morta’, mas instaura um discurso, uma fala, um canto, uma música, cines imaginários”. O poema, ou melhor, o seu laboratório babélico, migra do bloco de anotações para a realidade cotidiana, de modo a embaralhar as fronteiras existentes entre esboço e arte-final, poema escrito e poema visual, enfim, entre o objeto e a sua representação. Como se pergunta Armando Freitas Filho: “Aonde é o lugar, onde os Babilaques?”. A estabilidade referencial é quebrada, antecipando a lição proposta em Vaziez e inaudito (de 2004): “Basta introduzir, no universo da plenitude das coisas, fissuras”.

Waly interroga-se, sem se alinhar às filiações estéticas disponíveis, sobre qual seria o lugar da poesia no mundo contemporâneo, mundo de mercadorias e simulacros. Ele transforma e ficcionaliza a criação poética, destacando seu caráter crítico e performático, fingindo desnudar sua artificialidade. Os babilaques discutem, fora do balizamento das esquerdas políticas do período, novas formas de interpelação social possíveis para a poesia. Novos espaços para sua circulação. O tema tem ampla ressonância dentro da obra, como nos provocantes versos de Exterior (publicado em Lábia):

Por que a poesia tem que se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
                              da greta
                              da gruta

Me segura qu’eu vou dar um troço e Babilaques, tomados em conjunto, cultuam e invalidam, em um único golpe, o caderno de artista, o diário íntimo, os relatos confessionais, ao exporem o corpo em construção do poema, com a memória da escrita e seu enquadramento fotográfico, mas também o corpus do poeta, espontaneamente fingido. Poeta e poema, sujeito e obra são resultado de uma trama instável e performática, antecipando procedimentos da poesia contemporânea brasileira. O que se tem é um ato de recusa do espontâneo, da pureza e do dado preexistente, em favor da ficcionalização de si e do ato criativo. Não seria essa, diga-se de passagem, uma das linhas de força da poesia brasileira contemporânea?

Os cadernos de Waly, construídos e desconstruídos como o próprio poeta, engendram modos de escape dos compromissos e dos rótulos geracionais, modos de dizer-e-agir críticos às forças que atuam na formação das identidades sociais e literárias em voga nas últimas décadas do século XX, as quais, não obstante as diferenças estéticas e ideológicas, cultuam em comum uma literatura-do-eu, bem como o horizonte do nacional. Além disso, desafiam o cerceamento e a censura então vigentes no país, movendo-se livremente pelas ruas em espaços não corriqueiros ou autorizados ao poema. Where is my home?, a pergunta aparentemente ingênua manuscrita numa página do caderno de apontamentos se endereça, a um só tempo, ao poeta, à sua poesia e à sua nação.

Não há uma forma estética ou subjetiva que se possa tomar por definitiva, nem mesmo as do passado, afinal, “a memória é uma ilha de edição”; a poesia, “câmaras de ecos” em que vozes passadas e presentes, o lido e o vivido, se entrecruzam a ponto de criar um dito tão instável e inacabado quanto a presença, sempre incerta, de quem o dizia.

A tradição é tomada como ruína de uma totalidade não existente, mas de onde as presenças perdidas são reativadas em “polinizações cruzadas”: “A composição enquanto PRESENÇA dalguma coisa [...] Q a primeira vez volte a se fazer PRESENÇA”. Não se trata de reminiscência ou de tributo à tradição, mas da atualização de uma presença anterior no instante da montagem, agora, já incontornavelmente deslocada. Daí a resistência de Waly ao culto da memória que domina o ambiente literário durante o regime militar: “Contrariando o ditado latino e a canção brasileira/ RECORDAR NÃO É VIVER”. O mesmo argumento valeria para a saudade, tão fortemente marcada como palavra de exclusividade nacional, mas que para o poeta “é uma palavra/ da língua portuguesa/ a cujo enxurro/ sou sempre avesso”.

O espaço de liberdade aberto pela ação iconoclasta do poeta constrói-se no movimento em direção e contra o outro, definindo o caráter sempre deslocado e incompleto de toda identidade estética ou vivencial.

Perambule
          — eis o único dote que as fatalidades te
oferecem.
Perambule
          — as divindades te dotam deste único
talento.

O campo operatório de Waly oferece elementos para a leitura da passagem do moderno para o contemporâneo na cena literária brasileira ou, para valer-me de Silviano Santiago, permite a leitura da controversa passagem da arte para a cultura, no momento em que se fermentam alterações decisivas concernentes ao valor e à circulação do objeto literário. Seus cadernos, armarinhos e mesas de edição constituem a oficina de um pensamento inventivo e desafiador cuja força ainda pulsa nas melhores mixagens da poesia brasileira do presente.