psiu AugustoDeCampos

Em meio às celebrações de mais um aniversário, Augusto de Campos resiste na poesia e, politicamente, persiste à esquerda – ao contrário de outros poetas e intelectuais que surpreendem o público com a adesão a discursos e ideais mais conservadores, ou mesmo reacionários, à medida que envelhecem. A incorporação política à sua atividade poética se deu no início da década de 1960, com aquilo que Décio Pignatari chamou de “o salto participante” da poesia concreta. Os tempos mudaram, a esperança de mudanças revolucionárias em prol de um mundo mais igualitário se refletiu na poesia do período, e, ainda que esse momento logo depois tenha sido abafado continuamente pela repressão da ditadura militar, a poesia continuou a resistir.

Em seus mais de 70 anos de atividade poética, Augusto de Campos não se esquivou do envolvimento político mais declarado, seja por meio de poemas contestadores, mesmo em períodos conturbados como a ditadura, seja por meio de textos publicados em jornais/revistas ou em suas redes sociais. Um exemplo disso foi uma carta ao leitor, publicada na Folha de S.Paulo, em julho de 2016. Augusto já respondeu outras vezes, neste espaço destinado aos leitores do jornal, a alguns jornalistas e colunistas da Folha. O exemplo citado foi direcionado a Ruy Castro, chamando-o de “antiDilma de carteirinha para agradar o patrão” e dizendo ironicamente que “a Academia [Brasileira de Letras] o chama”.[nota1] Esta pequena carta ao leitor mostra não apenas uma crítica ao suposto prestígio das instituições literárias oficiais, mas também o seu envolvimento político com a democracia, por meio da defesa de Dilma Rousseff, por medo do que um golpe ao seu governo significaria ao país, rememorando a tragédia ditatorial que por tanto tempo se estendeu aqui.

Um ano antes, em 2015, Augusto de Campos foi o principal homenageado pela Ordem do Mérito Cultural, em sua 21a Edição. A premiação celebra os protagonistas do desenvolvimento cultural brasileiro. Eram tempos políticos, que, embora agora pareçam muito distantes, foram cruciais para o desencadeamento da tragédia social e política que se seguiria no Brasil a partir de 2016.

A premiação de Augusto de Campos, e sua ida a Brasília na ocasião, foi, segundo ele, um “gesto cívico de solidariedade” à então presidente Dilma Rousseff e contra as tramoias políticas que a depuseram do governo. A grande importância do prêmio, portanto, para o poeta, estava em recebê-lo das mãos de Dilma, aproveitando o momento para deixar pública sua admiração pela luta histórica da presidente e seu enfrentamento em relação ao período ditatorial brasileiro.

Numa entrevista ao Canal Sempre na Luta, de Rogério Correia, Augusto reforça essa ideia, para além da honraria do prêmio: “Mas acima de tudo, para mim, é um prazer especial tê-lo recebido das mãos da presidenta Dilma Rousseff, a quem eu sempre admirei muito, pela postura de defesa da democracia, durante o malsinado regime militar, e pela firmeza e coragem com que ela mantém hoje em dia a defesa da democracia contra aqueles que buscam, de alguma forma, malferir as nossas instituições democráticas. Para mim, então, [o prêmio] tem um significado a mais”.[nota2]

Foi nesse mesmo ano de 2015 que Augusto lançou o seu último livro de poemas inéditos, intitulado Outro (Editora Perspectiva). Desde então, o poeta tem usado, para além das publicações de livros, o espaço digital das redes sociais, que permite uma comunicação rápida e direta com seu público, que também tem se renovado.

O início das atividades de Augusto nas redes sociais se deu em 2018, com o auxílio do músico e compositor Alvaro Dutra. A ideia inicial era percorrer espaços virtuais com seus poemas e suas manifestações políticas, já que não havia para Augusto, ao contrário do começo de sua trajetória poética na década de 1950, a mesma abertura para publicação de textos ou entrevistas nos jornais brasileiros. O espaço para a poesia, como um todo, também foi diminuindo paulatinamente nos grandes jornais e revistas, como podemos com facilidade observar.

A ideia da liberdade de fala e da autonomia do espaço digital (com todas as ressalvas que possamos fazer, seja esta liberdade ilusória ou não) atraiu Augusto para o universo das redes sociais, assim como atrai outros poetas e escritores. A diferença, talvez, seja principalmente geracional. Augusto começa a adentrar este espaço com 87 anos e o utiliza até hoje, quando completa 92 anos, para a divulgação de sua obra e para seu ativismo político.

Segundo Alvaro Dutra, que administra as redes sociais de Augusto junto ao poeta, “este preferiu optar apenas por publicações políticas no mês das eleições de 2022. De 26 de setembro a 3 de novembro, apenas foram publicadas 9 postagens no Instagram/ Facebook, todas com teor político”.[nota3] Em entrevista para o presente artigo, Alvaro afirma que “Augusto rapidamente entendeu que o Instagram é uma forma de comunicação direta e imediata com as pessoas. Nas eleições de 2018, dado o alcance da plataforma, ele se aproveitou disso para se posicionar explicitamente em relação à política, tanto com alguns poemas no estilo ready-made (à la Duchamp) quanto com os contrapoemas, como o próprio Augusto os chama, circunstanciais e específicos ao momento”.

Durante as eleições de 2018 e, depois, durante as de 2022, Augusto definiu o cronograma de publicações, de acordo com Alvaro, postando apenas poemas de cunho político. Isso, para ele, faria com que as postagens tivessem um maior impacto e também, por conta da importância do momento para a democracia brasileira, nada mais seria tão relevante para se divulgar quanto estas manifestações políticas. Seus outros trabalhos poéticos foram postados apenas após o resultado das eleições.

Em um período anterior, dois anos antes da ditadura brasileira se instaurar no Brasil, poemas mais explícitos como Cubagrama (“CUBA/ SIM/ IAN/ QUE/ NÃO”) e Greve (“grita grifa grafa grava/ uma única palavra”) foram publicados em 1962. Isso a partir do “salto participante” do concretismo no começo da década de 1960, com um envolvimento político muito mais declarado na poesia do que anteriormente.

Alguns poemas visuais chamados popcretos foram expostos na galeria Atrium, em São Paulo, em dezembro de 1964, junto a outros quadros do artista Waldemar Cordeiro. Um desses popcretos de Augusto, o Psiu! (imagem que abre este texto), feito depois, em 1966, envolve recortes de jornais e revistas, com mensagens conflitantes que se misturam. O “psiu!” indica essa imposição do silêncio sobre a população, um autoritarismo ditatorial que obriga qualquer oposição a se calar. A “paz” aparece perto do “psiu” exigindo silêncio, mostrando como, ao silenciar a oposição, uma pretensa paz é instaurada, uma paz construída com muito sangue e dor.

As palavras livre, dura, bomba, américa, dinheiro, amar, ame, sem entrada e liquidação rodeiam o centro do poema, a boca calada que, fechada, se cerca de palavras não ditas. “Brasil: ame-o ou deixe-o”, o lema assombroso que acompanhou os tempos da ditadura aparece latente no poema, que se recusa ao silêncio e, ao mesmo tempo, se vale dos recursos visuais das artes plásticas para romper com a imposição da palavra, do verbal, da semântica. Com o uso de recortes de jornais e revistas e por meio da composição de uma colagem, algo pertencente à ordem do visual, Augusto profere, sem dizer, as palavras, com recortes e colagens em meio ao silêncio de uma boca fechada.

Atualmente, desde as eleições de 2018, Augusto de Campos utiliza o espaço das redes sociais para continuar se manifestando politicamente, ao passo que suas postagens e poemas, nesse ambiente digital, têm um alcance maior do que se fossem publicados, por exemplo, em um livro. Além disso, a possibilidade obtida com o uso das redes sociais foi também entrar em contato com um público mais jovem, incluindo outros poetas e ativistas.

JA IR contrapoema AugustoDeCampos

Um dos posts mais compartilhados até hoje, na página de Augusto, é o “contrapoema sobre o verbo ir”, de 2020 (imagem acima).[nota4] Nele, as cores da bandeira do Brasil, sequestradas pelo bolsonarismo, compõem a imagem: as letras verdes se sobrepõem ao fundo amarelo. A primeira e a última linhas contêm o nome do ex-presidente, este que gostava de ressaltar o seu patriotismo supostamente grandiloquente, porém servil, ao passo que se submetia a interesses internacionais, destruindo os recursos naturais do país e desvalorizando seu poder de compra e venda. O “Brasil acima de tudo” – lema que se popularizou nos últimos anos entre seus apoiadores – retoma o fantasma do “ame-o ou deixe-o”, esmagando o coro dos descontentes.

O nome de Jair, no entanto, se transforma no poema, a partir de sua divisão silábica: deixa de ser substantivo para se tornar advérbio e verbo. Já está na hora de ir embora: “já ir” é o que o poema pede, não apenas reforçando a ideia de partida desde a primeira linha do poema, mas também enfatizando os tempos verbais distintos de uma realidade inevitável: Jair precisa ir, Jair já era. Os trocadilhos sonoros também se apresentam em sua forma visual, com o próprio nome de Jair, escrito de duas maneiras distintas, no início e final do poema; embora com as mesmas letras, são imbuídos de novos significados a partir da junção e da separação das sílabas, que reverberam nas demandas populares da oposição. O verbal, o sonoro e o visual estão aí, presentes nos contrapoemas, que são poemas destinados a responder a demandas do tempo, algo entre os ready-mades de Duchamp e os agit-prop de Maiakóvski.

Esse contrapoema, bastante compartilhado, mostra o quanto uma poesia verbivocovisual, ou seja, que trabalha com as três dimensões do signo, e que começou a ser teorizada e publicada na década de 1950, hoje pode reverberar nos espaços digitais com todas as suas facilidades para unir imagem, som e texto em prol da política, da liberdade e da democracia.

NOTAS
[nota1] O texto foi publicado como uma carta ao leitor na Folha de S. Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/07/1795042-para-leitor-chegada-da-delegacao-olimpica-da-australia-foi-um-desastre.shtml.paineldoleitor/2016/07/1795042-para-leitor-chegada-da-delegacao-olimpica-da-australia-foi-um-desastre.shtml.
[nota2] Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OwQkFTpyP6gwatch?v=OwQkFTpyP6g
[nota3] Os perfis de Augusto de Campos são: facebook.com/profile.php?id=100064820314979profile.php?id=100064820314979 (Facebook) e instagram.com/poetamenoscom/poetamenos (Instagram).
[nota4] É possível conferir uma seleção dos contrapoemas de Augusto de Campos neste link: oglobo.globo.com/cultura/os-contrapoemas-de-augusto-de-campos-24881618cultura/os-contrapoemas-de-augusto-de-campos-24881618

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